UNESP/2020
RACISMO E DEMOCRACIA RACIAL
ID: FBD
Texto 1
Em Casa-grande & senzala, obra publicada em 1933, Gilberto Freyre
oferece um novo modelo para a sociedade multirracial brasileira, invertendo o
antigo pessimismo. O “cadinho (1) das raças” aparecia como uma versão
otimista do mito das três raças: “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo
louro, traz na alma quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a
pinta, do indígena e/ou do negro”, o que tornava a mestiçagem uma questão de
ordem geral. Era assim que o cruzamento de raças passava a singularizar a nação
nesse processo que leva a miscigenação entre diferentes grupos sociais a se
transformar num modelo de sociabilidade. A novidade do seu argumento estava em
destacar a intimidade do lar, suavizar a vida dura do eito (2) e fazer
de tudo material de exaltação: enfim uma “boa escravidão”, como se essa não
fosse uma contradição em seus termos. Em resumo, a proposta do livro era
repisar, sob novo ângulo, a ideia de uma sociedade misturada e pioneira em
função da ausência de segregação e de uma miscigenação extremada e feliz.
Gilberto Freyre executou a façanha analítica de dar caráter positivo ao mestiço
— atribuindo a ele não o atraso do país, e sim sua grande vantagem de futuro.
(Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling.
Brasil: uma biografia, 2015. Adaptado.)
1 - cadinho: recipiente em material refratário, geralmente de barro,
ferro ou platina, utilizado para as reações químicas em altas temperaturas.
2 - eito: roça em que trabalhavam escravos.
Texto 2

“Machado de Assis era um homem negro. O racismo o retratou como branco.” Essas são as primeiras frases da campanha feita pela Faculdade Zumbi do
Palmares, de São Paulo, em parceria com a agência de publicidade Grey. A ação,
lançada em abril — no mês do Dia Mundial do Livro —, tem como propósito
ressaltar a identidade negra de um dos maiores escritores brasileiros e
fundador da Academia Brasileira de Letras. Com o título “Machado de Assis
Real”, o projeto incentiva que as pessoas participem de um abaixo-assinado para
que as editoras parem de publicar livros com fotos nas quais ele aparece
embranquecido e substitua a fotografia distorcida por uma em que o autor
apareça com cor e traços físicos negros. No manifesto da iniciativa, a
universidade ainda afirma que “o racismo escondeu quem ele era por séculos. Sua
foto oficial, reproduzida até hoje, muda a cor da sua pele, distorce seus
traços e rejeita sua verdadeira origem” e diz que “já passou da hora de esse
erro ser corrigido”.
Luiz Maurício Azevedo, editor-executivo da editora Figura de Linguagem e
pós-doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), ressalta que “popularmente, pessoas negras estão ligadas à força
física e à animalização, não a seu potencial intelectual. Quando estes
indivíduos ganham projeção por seu talento na literatura, por exemplo, criam-se
mecanismos para manter os negros no lugar de subcategoria. Por isso,
transformam uma pessoa negra em branca, porque socialmente negras e negros ‘não
podem ter’ o status de autor. E a história valeu-se da frágil documentação da
época para reforçar a imagem de um Machado de Assis não negro. O Brasil promove
a hierarquia das raças por ter suprimido aquilo que era entendido como
diferente”. E acrescenta: “Este país vive em conflito, não vivemos em harmonia
como prega a democracia racial. Houve e ainda há derramamento de sangue”.
(Iarema Soares. “Campanha de universidade recria
foto de Machado de Assis para retratá-lo negro”.
https://gauchazh.clicrbs.com.br, 01.05.2019. Adaptado.)
Texto 3
“Quanto mais acentuados os traços faciais que evidenciam a origem
negra-africana, maior é o impacto do racismo sobre as pessoas. Assim,
socialmente, quanto mais clara a pessoa negra, maiores chances de êxito na vida
ela terá, o que não significa que ela também não seja vítima de racismo”. A
explicação dada por Renata Aparecida Felinto dos Santos, professora adjunta de
Teoria da Arte e de Cultura Africana e Afro-Brasileira na Universidade Regional
do Cariri (CE), é o início da compreensão sobre o que é colorismo. Esse
conceito é relativamente recente. Foi cunhado em 1982 pela escritora Alice Walker,
no ensaio “If the present looks like the past, what does the future look like?”
(em português, “Se o presente parece o passado, com o que parece o futuro?”). Presidente
do Conselho Municipal de Política e Cultura de Londrina (PR) e especialista em
comunicação popular e comunitária, Luiza Braga esclarece que o colorismo se
trata de algo muito ligado à estética: “A aceitação de uma pessoa negra pela
sociedade é julgada pelos traços mais finos, os cabelos mais lisos. Isso não
tira a negritude de quem é mais claro. Esse indivíduo tem a consciência de que
é discriminado por ser negro, mas que não sofre tanto quanto o negro de pele
escura.” Já a advogada Elisama Santos, que hoje atua como escritora e educadora
parental, afirma que “A sociedade quer embranquecer o negro. Se perceber que a
pele mais clara permite uma adequação ao padrão eurocêntrico, haverá uma força
para que os cabelos sejam alisados, para que se use uma maquiagem que
‘disfarce’ os traços negros. É uma pressão que as pessoas muitas vezes nem percebem,
pois está incrustada na convivência”. É importante destacar que, quanto mais
clara for a pessoa negra, a mais privilégios ela terá acesso, mas sempre será
uma pessoa negra.
(Raquel Drehmer. “Entenda o que é e como funciona o
colorismo”. https://mdemulher.abril.com.br, 08.05.2019. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos,
escreva um texto dissertativo-argumentativo, empregando a norma-padrão da
língua portuguesa, sobre o tema: “Legado da escravidão no Brasil: entre o
racismo e a democracia racial”.