EM - DISSERTAÇÃO MODELO FUVEST - COMPORTAMENTO DO BRASILEIRO NAS FILAS
FUVEST
ID 877 - FUVEST - DISSERTAÇÃO
02 - O que o comportamento nas filas revela sobre o brasileiro?
(ID REDIGIR: GCJ)
Texto 1
A fila é onipresente. Nos bancos, nos supermercados, no
metrô, no cinema, nos restaurantes a quilo, as pessoas assumem os seus lugares
e esperam a sua vez — ou, ao menos, deveriam esperar. Essa forma de organização
tão comum, mas banal apenas na aparência, é o objeto de análise do antropólogo
Roberto DaMatta, em parceria com o também antropólogo Alberto Junqueira,
responsável pela pesquisa de campo de Fila e democracia (Rocco). Na obra, DaMatta mostra como a fila agrega, em
pequena escala, todos os elementos fundamentais para o bom funcionamento da
democracia. O que ajuda a entender por que a nossa democracia, assim como as
nossas filas, podem ser bastante problemáticas.
“A fila reproduz em miniatura todos os elementos do
sistema democrático: a paciência, o mérito, a frustração. Democracia é um jogo
de paciência, em que você espera a sua vez e respeita quem está na sua frente e
quem está atrás de você. O primeiro da fila é o primeiro a ser atendido. Na
democracia, isso se resolve em escala nacional nas eleições. Se você tiver
eleições regulares, todos poderão competir para eleger um deputado, um
prefeito, um senador e até um presidente”, explica o antropólogo, hoje
professor da PUC-Rio.
A ideia da pesquisa, que virou livro, surgiu durante um
curso que DaMatta oferece regularmente na pós-graduação em Ciências Sociais na
universidade, “Rituais e modernidade”. Nas aulas, um dos temas debatidos foi a
fila. Alberto Junqueira se interessou e desenvolveu a pesquisa, sob orientação
do professor, sobre o assunto. DaMatta destaca que, ao entrar numa fila, não
pensamos em suas normas, pois já estão internalizadas, mas elas existem. É por
isso, por exemplo, que “furar” fila é um delito que pode provocar a reação de
outros indivíduos que aguardam a sua vez.
Contudo, numa sociedade de passado aristocrático e
escravocrata, como a brasileira, a igualdade imposta pela fila gera também um
enorme desconforto, aponta o antropólogo. No livro, ele recupera o impacto da
experiência americana nos escritores Erico Verissimo e Monteiro Lobato, que
viveram nos Estados Unidos na década de 1940. Em A volta do gato preto, Verissimo afirma: “Essas bichas (filas) são
exemplos vivos da democracia norte-americana. Se o soldado chega antes do cabo,
o cabo antes do sargento e o sargento antes do capitão, não há nenhuma lei
capaz de alterar essa ordem”.
O espanto do escritor é revelador da estrutura
altamente hierarquizada da sociedade brasileira. Para DaMatta, os brasileiros
têm um grande problema com a igualdade, mais do que com a desigualdade. “O nosso
problema não é propriamente com a desigualdade, mas com a igualdade. Temos
alergia a igualdade. Não temos paciência para fila. Por isso observamos, na
pesquisa, que muitas vezes há uma atitude negativa de ir embora. Esperar numa
fila é sintoma de inferioridade”, afirma o antropólogo.
Uma campanha contra as pequenas corrupções do dia a dia
está fazendo sucesso na internet. A ideia é mostrar os prejuízos causados pela
política de "tirar vantagem". É aquela coisa que muita gente faz, mas
que tem consequências até para a economia do país.
O comportamento antiético também traz prejuízos morais,
porque a sociedade acaba se tornando tolerante com a corrupção. Pelas ruas, não
foi difícil encontrar pessoas que acham que "dar um jeitinho" é
normal.
Toda fila coloca a questão de seu critério de
ordenação. É por ordem de chegada, de altura ou de influência? A expressão
“quem é você na fila do pão?” fala disso e faz par com o emblemático “você sabe
com quem está falando?”. Ambas se baseiam no uso do poder para determinar quem
vale mais, quem merece mais.
Em palestra recente, uma jovem da plateia me dizia que
a babá de seu filho havia deixado o próprio filho em sua terra natal. A jovem
acreditava que, como esse era um hábito comum no Nordeste, a babá não sofreria
com essa ausência, pois já estava acostumada.
A ideia aqui é de que algumas pessoas estariam tão
acostumadas com privações, que nem as sentiriam mais. Portanto, nós, os
patrões, podemos dormir sossegados, sem nos identificarmos com o sofrimento de
subalternos, supostamente acostumados a viver longe dos seus. Trata-se de uma
racionalização usada corriqueiramente para não entrarmos em contato com as
violências sociais e individuais que impingimos uns aos outros.
Embora cada um viva suas experiências de forma única e
intransferível, está em jogo aqui a conveniente hipótese de que uma classe de
sujeitos sofreria menos do que outra. De fato, ocorre justamente o contrário: é
por sofrer demais, por tempo demais e sozinho, que o sujeito desiste de se
lamentar, o que não diminui sua dor, mas sua esperança em expressá-la.
A lógica tão danosa que rege nossas relações sociais é
simples: pimenta nos olhos dos outros é colírio. No caso citado são duas
violências: as condições de vulnerabilidade social —a funcionária não pode se
dar ao luxo de ficar sem esse trabalho— e, cereja do bolo, a falta de
reconhecimento da injustiça e do sofrimento decorrentes dessas condições. [...]
Furar a fila da vacinação é expor um desconhecido mais
vulnerável à morte em nome de um direito autoproclamado.
Para a pergunta “você sabe com quem está falando?”, a
única resposta decente seria: “não sei, tampouco você o sabe, mas uma coisa é
certa: ambos sofremos, ainda que em condições distintas”.
Vera Iaconelli. “Quem é você na fila do pão?” Folha de S.Paulo. 26/01/2021, p. B-03
Considerando as ideias apresentadas nos textos e também
outras informações que julgar pertinentes, redija uma dissertação em prosa, na
qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema: O que o comportamento nas filas revela sobre o brasileiro?
Instruções:
• A dissertação deve ser redigida de acordo com a
norma-padrão da língua portuguesa.
• Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível e
não ultrapasse o espaço de 30 linhas da folha de redação.