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EM - CARTA DO LEITOR - MODELO UNICAMP - LUTA ANTIMANICOMIAL

UNICAMP

LUTA ANTIMANICOMIAL

CARTA DO LEITOR - MODELO UNICAMP

ID: H83



LEITURA:


Entrevista à Gina Ferreira, doutora em Psicologia Social


‘O fim dos manicômios entrou no bojo da reivindicação de que a liberdade tinha que ser extensiva a todos’

Criadora do programa 'De volta para Casa' analisa a lei da Reforma Psiquiátrica


Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 06/04/2021 11h29 - Atualizado em 01/07/2022


A desospitalização, o fim dos manicômios, é bandeira principal do movimento que gerou a Reforma Psiquiátrica [de 2001]. Mas por que é preciso acabar com os manicômios?

Porque no manicômio você não sai, pode sair para um passeio, se alguém quiser fazer algo diferente, mas retorna. Você usa uniformes, come em refeitórios, é um encarceramento de fato. Eu pude ver de perto como era um dos maiores manicômios da América do Sul, que era [a Casa de Saúde] Dr. Eiras, de Paracambi [no estado do Rio de Janeiro]. Ele começa pequeno, mas era um lugar muito espaçoso, onde passava um rio, uma paisagem agradável. Começa a aumentar, abrir mais espaços, ter que contratar muita gente – e com salários baixos. Não aprimora, a qualidade não existe porque é para não oferecer absolutamente nada. Em Paracambi, às cinco horas da tarde, num calor que chegava a 42 graus no verão, as mulheres que viviam no pavilhão feminino eram fechadas todas em um salão, com uma única televisão. (...) Paracambi era uma cidade que teve perdas econômicas e sociais. Teve quatro fábricas fechadas, então, muita gente ficou desempregada. Nessas fábricas trabalhavam famílias inteiras, e o fechamento representou uma baixa econômica imensa. Diziam que tinham pessoas que enlouqueciam e iam se internar, ou iam se internar para ter o que comer e ter um benefício. Foi nisso que a Eiras se transformou: num desespero. Fechar a Dr. Eiras foi questão central do movimento ‘Manicômio Nunca Mais’ no Rio de Janeiro. Muitos anos depois, com mudança de governo, quando decidiram fechar a Dr. Eiras, eu fui contratada para supervisionar a equipe que organizava as atividades e a saída desses pacientes. Lembro uma vez em que, junto com outras colegas, eu levei essas mulheres para um passeio até o Centro Cultural Banco do Brasil, e depois a gente ia ver se esticava até o MAM [Museu de Arte Moderna]. A mulher que estava sentada no trem ao meu lado, cada vez que abria a porta, olhava desesperada para fora. Eu olhei para ela e disse assim: “Eu estou vendo que você quer fugir. Cada vez que a porta abre, você olha com muita vontade de fugir”. Nisso, o trem foi parando na [estação da] Central do Brasil. Eu disse: “Olha, nós estamos na Central, eu não vou fazer nada para te impedir de fugir. Se você quiser, foge. Mas eu quero te avisar uma coisa. Eu já localizei sua família, e eles vêm te visitar essa semana que vai entrar, porque eu quero que você volte para a sua casa. Se você ficar aí na Central, vai dormir na calçada. Eu estou oferecendo essa outra oportunidade para você experimentar. A escolha vai ser sua”. Ela não fugiu. A família ficou muito contente de tê-la encontrado e ela foi para casa com eles. (...)


Mas não é possível um hospital psiquiátrico sem violação de direitos humanos? A Associação Brasileira de Psiquiatria, que defende a manutenção dessas estruturas, fala em tratamento humanizado nos hospitais psiquiátricos...

Não é necessário mais porque existe o Centro de Atenção Psicossocial [CAPS], com possibilidade de ter até 8 ou 10 leitos. O trabalho tem que ser feito também fora do serviço, no território, na vizinhança, na casa do familiar. Por que ir para um hospital psiquiátrico, se tem serviços [que o substituem]? É preciso ter mais CAPS 3 [modalidade que tem leitos], mas não é botar mais de dez leitos no CAPS e virar hospital psiquiátrico. (...)


Diferente dos manicômios, os leitos dos CAPS 3 são temporários, certo?

São bastante temporários e têm que ser em um número muito pequeno, na minha opinião. Eles servem para que, no momento em que o vínculo familiar que [o paciente] tem não estiver propício para que a crise dele seja sustentada, ele possa ir ao CAPS e depois voltar, para que ele não apronte de noite sem que a família saiba lidar. Há momentos em que a família já não aguenta mais, às vezes tem outro paciente em casa, ou alguém está enfermo. Esse leito serve para que ele tenha um lugar de acolhimento num espaço onde já tem relações reconhecidas, vínculos afetivos, com psicólogo, médico, com as pessoas que trabalham lá. Porque o que faz [o paciente] aceitar medicação, por exemplo, é o vínculo afetivo. Então, não é para internar.


Mas, sobretudo, na população mais desassistida, muitas vezes as famílias têm dificuldade de dar conta desse acompanhamento e acabam ‘desejando’ a internação num manicômio, não?

Ficar um ou dois dias fora [num CAPS 3], fazer trabalhos dentro da família ou no território [ajuda]. Mas não uma hospitalização num manicômio. Nem uma hospitalização de mais de dez dias. Muitas vezes a família fica desesperada porque a vizinhança não entende e não colabora. Eu tenho muito orgulho, por exemplo, do trabalho que o CAPS da Rocinha [favela localizada na zona sul do Rio de Janeiro] faz no território. Já levei equipe lá para fazer roda de conversa na calçada e no posto de saúde. Aquelas rodas de conversa iniciavam com muitas cadeiras vazias e de repente um morador passava por aquela calçada, parava para ouvir, daqui a pouco ele perguntava se podia sentar, chegava um outro, reconhecia alguém que estava sentado, sentava também, daqui a pouco estávamos todos discutindo o que é sofrimento psíquico. Tem que ter criatividade e disponibilidade para trabalhar com a população. Quando eu fui coordenadora de saúde mental de Paraty [município do estado do Rio], chegamos a internação zero. Eu pedi que fossem criados só dois leitos na Santa Casa, para que quando estivesse fervendo na família, ele pudesse descansar naqueles leitos para depois retornar para casa. Uma família tinha me procurado dizendo que aquele paciente tinha que ser internado porque ele andava a noite inteira dentro da casa e não deixava ninguém dormir. Aí eu pedi para a Secretaria de Saúde pagar um plantão para um auxiliar de enfermagem dormir no quarto com aquele paciente. O paciente não andou, dormiu a noite toda. No dia seguinte a médica foi rever a medicação, não foi mais necessário.

Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/o-fim-dos-manicomios-entrou-no-bojo-da-reivindicacao-de-que-a-liberdade-tinha. Adaptado para fins didáticos. Acesso em 14.nov.2022.



COMANDO: Imagine que, depois de lida a entrevista acima, você decida escrever uma CARTA DE LEITOR, endereçada à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, para tecer considerações a respeito da atuação da Dra. Gina Ferreira, em favor da LUTA ANTIMANICOMIAL. Comente e posicione-se sobre o tema.

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