Variação linguística é um fenômeno que acontece com a língua, graças a intervenções históricas, geográficas, situacionais e socioculturais. Isso vem nos provar o quanto a língua é dinâmica e maleável.
Alguns teóricos tratam do assunto como NÍVEIS DE LINGUAGEM. O Enem não adota essa terminologia, até porque a expressão NÍVEIS DE LINGUAGEM pode sugerir hierarquia entre as variações linguísticas, o que é INADMISSÍVEL.
A seguir, veremos quatro tipos de variações linguísticas:
Variação linguística histórica, como o próprio nome adianta, são as transformações vocabulares por que passa a língua ao longo do tempo. A língua acompanha os avanços sociais.
Por exemplo: antes de ser o que é hoje, o pronome “você” sofreu algumas variações: de “vossa mercê” para “vossemecê”, para “vosmecê”, para “vancê”; hoje, informalmente, se diz: “cê”; os internautas ainda escrevem “vc”.
Vamos citar outro exemplo, mas, desde já, ressalvamos: nem sempre acreditamos em tudo o que circula pela internet. O texto abaixo, em cujo episódio cita-se Rui Barbosa, serve apenas para ilustrar a variação linguística histórica, uma vez que, ao longo do texto que vamos ler, foram empregadas palavras que, muito embora dicionarizadas, caíram em desuso:
Certa vez, Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo do quintal. Foi então averiguar, e constatou haver ladrões tentando levar -lhe os patos de sua estima. Rui Barbosa aproximou-se vagarosamente de um deles e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com um pato, disse-lhe:
– Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meu ovíparo à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica, bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.
E o ladrão, confuso, perguntou:
– Dotô, resumindo…eu levo ou deixo o pato?
A variação linguística sociocultural é realçada, sobretudo, em países que comportam grande desigualdade social.
Tal variação depende da posição sociocultural do falante: um feirante fala de modo diferente de um advogado, que, por sua vez, adota o mesmo padrão de seus pares. O mesmo se diz de um skatista, comparado a uma dona de casa.
Analise no fragmento abaixo o padrão adotado por Machado de Assis e, em seguida, a “atualização”, segundo a gíria – fala corrente de certos grupos sociais – proposta pelo escritor Joca Reiners Terron:
Mas, com a breca! quem me explicará a razão desta diferença? Um dia vimo-nos, tratamos o casamento, desfizemo-lo e separamo-nos, a frio, sem dor, porque não houvera paixão nenhuma; mordeu-me apenas algum despeito e nada mais. Correm anos, torno a vê-la, damos três ou quatro giros de valsa, e eis-nos a amar um ao outro com delírio. A beleza de Virgília chegara, é certo, a um alto grau de apuro, mas nós éramos substancialmente os mesmos, e eu, à minha parte, não me tornara mais bonito nem mais elegante. Quem me explicará a razão dessa diferença?
(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)
Mais qui carái! Quem vai contá qual qui foi a treta? Numa ora agente tava verde no feici, fico, desfico, sem barraco, já qui foi só balada; mais fiquei meio mordido, xatiado. A zuera já elvis daí cruzo a pirigueti traveiz, vamo nos rolezinho só nos love, bejinho nos ombro das cachorra. Virgília tava da ora, muito gata pra carái. Mais nós era nóis e eu tava na bagaça. Quem qui vai contá qual qui foi a treta?
(Joca Reiners Terron, escritor)
Variação linguística situacional: toda comunicação exige uma escolha de vocabulário. Não usamos as mesmas palavras para nos dirigirmos ao diretor da escola, a um colega, ao namorado, ao dentista etc. Selecionamos o vocabulário de acordo com a situação, considerados: o destinatário, o assunto, o lugar etc., em que se estabelece a comunicação. Tomemos como exemplo um jornalista, um advogado ou um professor, os quais adotam o padrão formal, que é exigência da profissão. Observemos que os três profissionais, ao dialogarem com seus pares, adotam uma variação linguística diferente daquela com que dialogam com as famílias, por exemplo.
Variação linguística geográfica, também chamada regional, refere-se a diferentes estilos vocabulares e sintáticos que existem entre regiões.
Tais diferenças nem sempre coincidem com as fronteiras geográficas, visto que pode haver uma única região que acomoda diferentes variações linguísticas.
Ao conjunto das características vocabulares e sintáticas de uma determinada região dá-se o nome de dialeto.
Por exemplo: Outro exemplo, “mandioca”, no Sudeste; “macaxeira”, “abóbora” ou “jerimum”, no Nordeste.
A variação linguística geográfica foi a mais cobrada no Enem nas edições de 2009 a 2016.
Outro exemplo:
— Mas você tem medo dele…
— Há-de-o!… Agora, abusar e arrastar mala, não faço. Não faço, porque não paga a pena… De primeiro, quando eu era moço, isso sim!… Já fui gente. Para ganhar aposta, já fui, de noite, foras d’hora, em cemitério…(…). Quando a gente é novo, gosta de fazer bonito, gosta de se comparecer. Hoje, não, estou percurando é sossego.
(Guimarães Rosa, São Marcos)
IMPORTANTE: não existe hierarquia entre as variações linguísticas – quem assim admite, incide em preconceito linguístico.
Isso porque quem teve acesso à gramática normativa adota a norma culta da língua. Contudo, o sertanejo, por exemplo, que não teve acesso à gramática normativa, fala segundo a gramática descritiva, ou seja, aquela que ele absorve e, então, reproduz, sem que as construções frásicas e a condução vocabular do sertanejo sejam consideradas erradas ou inferiores a dos falantes segundo a variação formal. A gramática descritiva não se ocupa de regras, e sim de análise de usos linguísticos.
DIALETO e SOTAQUE não são expressões sinônimas
O dialeto caracteriza-se pelo vocabulário e pela estrutura sintática próprios de um grupo – seja porque usam palavras diferentes para designar a mesma coisa, seja porque as construções frásicas são diferentes. Ex.: macaxeira e mandioca.
O sotaque é a pronúncia diferente da mesma palavra. É marcado pelo ritmo com que as palavras são expressadas verbalmente e pelos diferentes sons, obviamente, quando da fala.
Por exemplo: algumas regiões de Minas pronunciam as palavras como que “cortando” os finais:
Já, no Rio de Janeiro, o sotaque é marcado pelo “chiado”:
As diferentes pronúncias das mesmas palavras são marcas do sotaque, e não do dialeto.
A gente vai se falando!
Prof.ª Gislaine Buosi
Produção e Curadoria de Conteúdo
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