Tema de redação do Enem 2018 foi uma grande surpresa
Ao escreverem a redação, muitos estudantes perceberam um desafio adicional nesta 20.ª edição do Exame Nacional do Ensino Médio: o tema proposto pela FGV foi “manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados da internet”. Enquanto isso, o IBGE apontava que, no Brasil, em 2016, apenas 64,7% da população com idade acima de 10 anos utilizaram a internet – e esses números foram oferecidos pelo próprio infográfico de apoio à Redação. Um clique também seria determinante para que a FGV conferisse mais: havia, na mesma pesquisa do IBGE, a informação de que 37,8% da população não sabiam usar a internet. Outro clique, e a Agência Brasil esclareceria que, em julho/2018, mais de um terço dos domicílios brasileiros não tinham acesso à internet. Resta saber – e os resultados no ano que vem responderão – se essa realidade brasileira será de fato traduzida em uma maior ou menor dificuldade dos estudantes no enfrentamento do tema.
O fato é que o próprio Inep, ao anunciar novas parcerias para “cuidar da correção das redações”, garantiu a elaboração da prova pela própria autarquia do governo federal e, assim, assegurou que o formato da prova permaneceria. No entanto, os estudantes foram surpreendidos com a frase temática que abarcou uma pluralidade de palavras-chave e um recorte que não necessariamente levava em consideração o “Brasil” (característica até então tradicional). Com isso, o candidato já teve diante de si uma dúvida crucial: abordar o contexto nacional ou o internacional? Qual o embasamento de apoio para a argumentação? Além disso, é possível pontuar que, ao contrário do que aconteceu em outras edições, o tema não foi exatamente delimitado (isso coube ao candidato, após o exame da coletânea). Desse modo, a banca pôs também à prova a interpretação e a inferência textuais, dentro da curta hora que o candidato tinha para desenvolver a redação.
Um dos riscos desse tema era levar o candidato apenas a discussões tangenciais sobre fake news, consumismo ou privacidade do usuário, aspectos que poderiam ser comentados no texto, mas que não eram, efetivamente, o centro da discussão proposta pelo tema.
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A Plataforma Redigir apresenta aos seus alunos uma redação-modelo sobre o tema do Enem 2018: “manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados da internet”.
O novo Grande Irmão
Por Gislaine Buosi
Para discorrer sobre a manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet é preciso, de antemão, admitir que George Orwell teria, hoje, matéria-prima para a construção de “2018”, ou de outro capítulo de “1984” – a síntese de fina criticidade a respeito da distopia social de que ainda hoje somos participantes. Sem dúvida, essa lamentável manipulação, há anos profetizada pela ficção, agora vivenciada na realidade, deve ser compreendida por dois aspectos diferentes e correlatos entre si: o fácil e ilimitado acesso às redes sociais por grande parte da população (o que fomenta a engrenagem capital), e a intenção dos gigantes da internet em pensar por quem não quer ou não sabe pensar. É tempo de poder público e sociedade debruçarem-se sobre essa questão, sob pena de haver retrocessos político-culturais irreparáveis.
Com efeito, a cada dia, o homem tem se tornado mais dependente da tecnologia. Soma-se a isso o fato de a facilidade e a rapidez com que se acessam as redes sociais abrirem caminho para a 4.ª Revolução Industrial, cujo aparato tecnológico conta com dispositivos eficientes para simular e influenciar o raciocínio humano – o que equivale a dizer que a Inteligência Artificial interfere no pensamento, nas decisões e, inevitavelmente, no consumo de bens e serviços do usuário da internet. Prova disso é que, mal ele consulta o preço de um par de tênis, logo variados modelos, tamanhos, cores e preços avolumam-se na telinha do computador ou do smartphone. Eis, assim, o maior departamento de propaganda, marketing, venda e pós-venda do mercado virtual.
Além disso, por meio da análise de postagens na rede, a Inteligência Artificial também é capaz de traçar o perfil intelectual dos usuários e de cruzar informações que afetam o entendimento daqueles que, talvez por preguiça de ler algo mais seleto, ficam totalmente à mercê de apelos sorrateiros pré-fabricados para manipularem X, a fim de que votem em Y e manifestem-se em favor de Z. Afinal, os recentes processos eleitorais, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, comprovam que as redes sociais foram determinantes para o resultado das eleições presidenciais.
Portanto, é preciso resistir à manipulação comportamental do usuário pelo controle de dados da internet. Ao Estado, na figura do Ministério da Educação, cabe indicar, como literatura obrigatória, não apenas os tipos narrativos, mas também os tipos instrucionais, por meio do estudo aprofundado de estratégias e de gêneros publicitários, a fim de que os jovens conheçam os riscos a que estão submetidos na rede, despertando-lhes, assim, o senso crítico e a atenção para os movimentos de manipulação presentes na internet. Desse modo, a sociedade ficará menos suscetível às manobras ideológicas e mercadológicas do Grande Irmão, sempre disponível nas telinhas, em tempo integral, para toda a família.
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