“Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil.” O tema de Redação da edição 2021 do Enem, à primeira vista surpreendente, fez-nos admitir a urgência do debate. Aliás, o próprio recorte traz em si mesmo a tese irrefutável, segundo a qual Estado e Sociedade, cada um a seu modo, devem promover a inclusão de pessoas “zero à esquerda”, como anotado em um dos textos de apoio, referindo-se a um sem-número daqueles que, sem uma identidade formalizada, engrossam a fila dos párias, de magreza extrema – para emprestar palavras de Vinícius de Moraes, o poeta da Rosa de Hiroxima, que nos fazia um convite que, a propósito, serviria muito bem, para este tema, como repertório sociocultural: pensem nas crianças, mudas, telepáticas…
Para falar sobre a proposta desta edição 2021, Gustavo Fechus, diretor pedagógico da Plataforma Redigir, entrevista a professora Rebecca Menezes. É dela também a redação modelo cujo título é “Sem lenço e sem documento?”, uma alusão à letra de Caetano Veloso, no auge do Tropicalismo. A seguir, ouça a conversa e leia a redação! 😉
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Sem lenço e sem documento?
Eis o célebre refrão da música “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso: “Caminhando contra o vento/ Sem lenço, sem documento/ No sol de quase dezembro/ Eu vou”. A canção, que marcou o início do movimento cultural tropicalista em 1967, atualiza-se, hoje, em face de uma expressiva quantidade de pessoas sem registro civil no Brasil. Em oposição ao título da música, a realidade dessa população é de total invisibilidade social e de alienação da cidadania. Entre as causas desse preocupante cenário, destaca-se o falho controle governamental das certidões de nascimento, o que faz com que muitos sejam impedidos de acessar direitos elementares, a exemplo da saúde. Diante disso, é inadiável assegurar a devida documentação a todos os brasileiros.
Nesse sentido, é fundamental identificar as omissões das instituições responsáveis pela garantia do registro civil no Brasil, diante do fato de que há uma desigualdade de acesso a documentos entre as cinco regiões do país. Prova dessa disparidade é a pesquisa do Grupo Record de jornalismo, segundo a qual o Nordeste e o Sudeste apresentam índices muitos altos e, por isso, preocupantes de indivíduos sem o registro de nascimento. Fica claro, então, que, apesar de isso ser oferecido gratuitamente pelo Governo Federal, ainda há que se democratizar seu acesso, pois localidades periféricas e rurais enfrentam dificuldades em garantir um nome civil que o cidadão possa chamar de seu.
Por conseguinte, em face dessas limitações, direitos constitucionais da Carta Magna de 1988 não são garantidos a todos os cidadãos, haja vista que o registro civil é condição para, por exemplo, acessar o sistema de saúde pública. Um relato dessa marginalização social é apresentado em um episódio do podcast jornalístico “O Assunto”, que retrata o caso de uma agricultora de 70 anos (idade prioritária na vacinação contra a Covid-19), que foi impedida de receber o imunizante por não ter uma certidão de nascimento. No posto de saúde, a idosa recebeu um grave diagnóstico: o governo não sabia que ela existia. Frente a essa invisibilidade, muitas pessoas se veem desamparadas em aspectos elementares de suas vidas, como na própria garantia à saúde.
Portanto, antes que mais brasileiros se tornem invisíveis diante do Estado, é preciso intervir. Assim, cabe às Defensorias Públicas, órgãos responsáveis por assegurarem o registro civil, ampliarem as estratégias de efetivação desse direito constitucional. Isso deve ser feito por meio da criação de intervenções públicas, como caravanas por cidades e bairros periféricos do Brasil, as quais emitirão as certidões de nascimento em espaços públicos, a exemplo de praças, escolas e associações comunitárias. Como efeito, os indivíduos vão se tornar cidadãos plenos de direitos e, assim, garantirão acesso à saúde e a outros tantos benefícios legais, como o de ter lenço e documento.
Rebecca Menezes
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